FOLHAS SECAS
Por Misael Nóbrega de Sousa
Por Misael Nóbrega de Sousa
Um vulto percorre o abismo que há entre mim e você. Não há sequer cerimônia. Simples como as folhas que despencam na estação do equinócio. Amareladas, estéreis, livres, ao sabor do vento. E assim, aceitamos a natureza das coisas. A cada vez me convenço menos de que tudo tem seu tempo. Não seria mais inteligente administrarmos nossos próprios desejos? Assistimos, como contempladores, a própria existência, só. Viver profundamente é possível? Essa é outra dúvida que me acua. Acredito que apenas os mais elevados aproveitam os sobejos da plenitude. Na maior parte do tempo nos entregamos, feito consignação. E depois, nos acomodamos intimamente. Um relaxamento natural como se apenas esperássemos, à sombra da castanheira. Por fim, vem a calmaria. Qual a distância correta? O homem tem como responsabilidade acudir os outros. Desse conflito depende o amor. Esquecemos que somos um só burgo. A dependência é um comodato; uma missão meio que imperativa, porém que outro jeito?. O céu de verniz azul existe apenas nos contos de fadas. E não há melhores histórias inventadas. Só não sabemos o quando. Esse é um enigma que não me pertence. Nunca estamos preparados para coisa alguma. Talvez aí seja onde resida a graça. O momento que te fez ir; não é o mesmo que te faz voltar. Esforço-me para recuperar o que perdi de você. Não alcanço a sua alma, o cheiro virginal, a pureza do sorriso de antes, o novelo das conversas, a cumplicidade. O que foi feito de nós? Sentido que me confere a confusão, dai-me o aprazimento das noites livres – onde a ventania ajuda a acrescentar mais folhas ao chão de areia e barro. Forte em minha mente as imagens de “Lavoura Arcaica” – que conduzem o personagem André à autoflagelação espiritual. “O teu amor, pra mim, é o princípio do mundo”. Religião e natureza se embaraçam. E eu sou parte desse chão, raiz, caule, árvore, folha, céu, infinito, Deus. Um prazer edênico. Não há mais porque percorrer os corredores sombrios da memória. Ali nunca houve alento. De que valem os anos passados, senão um punhado de negativas? Quisera eu ter influência sobre a possessão e o controle como grandeza. Quiçá o poder da renovação. Quem sabe esse abismo não seja uma alegoria de propósito? Só o que resta é o esforço de me contrapesar na corda-bamba da imaginação, e cair a cada bafejo, igual às folhas secas do outono de nossas vidas.
Professor e Jornalista
Professor e Jornalista
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