Frase

"A inveja consome o invejoso como a ferrugem o ferro." (Antistenes)

sábado, 5 de dezembro de 2009

Coluna de Sábado, por Padre Djacy Brasileiro

Alienação Religiosa
Nunca vi, durante toda minha vida de cristão padre, tanta alienação religiosa. Tanta euforia espiritual desvinculada de qualquer compromisso com o verdadeiro Reino de Deus. E por conta disso, avança, em nome da fé cristã, a exaltação ao subjetivismo, dando evasão, com isso, ao emocionalismo. Estamos vivenciando, portanto, não o cristianismo historicizado, contextualizado, comprometedor e libertador, desejado pelo Jesus histórico, mas um cristianismo nas nuvens, descaracterizado na sua essência, um cristianismo alienante, e por isso, muito perigoso. É a era do espiritualismo cristão exarcebardo.
O cristianismo verdadeiro, puro, compromissado com as causas sociais, com os pobres, os excluídos, os injustiçados, com a vida do povo de Deus, está cedendo espaço para um cristianismo platônico, a - histórico, estéril e inócuo. Agora é uma vivência de fé extremamente conservadora, alienante, reacionária. Longe daquele cristianismo idealizado por Jesus, que vendo a multidão faminta falara: “Tenho pena deste povo, porque é como ovelhas sem pastor”. Um cristianismo libertador, que visava libertar o povo sofrido das garras dos poderosos, um cristianismo do reino de Deus: reino de justiça para todos: “Eu vim para que todos tenham vida”. Disse Jesus. Jesus é enviado para anunciar a Boa Nova aos pobres e os pobres são seus prediletos. Eis, então, a missão de Jesus, eis o objetivo do cristianismo.
No início da religião cristã, as comunidades cristãs viviam profundamente as palavras do Jesus libertador, hoje, no entanto, falam-se de um Jesus descompromissado com os pobres, os excluídos, enfim ,com a justiça social. O Jesus de hoje é anunciado como aquele que cura e faz milagres na vida da pessoa, um Jesus que não está nem aí com as causas sociais que geram a cultura de morte. É o Jesus das promessas de riqueza, de curas, do bem estar pessoal. Não se falam no Jesus que quer que lutemos contra a fome, a miséria, a violência, a exclusão... O culto ou a celebração gira em torno de louvores, orações prolongadas desvinculadas da vida sofrida do povo, aplausos, choros, lágrimas, pula pula, gritaria, chegando às vezes ao histerismo. Até diria, que esses eventos ditos religiosos funcionam muito mais como terapia, como alivio de um espírito stressado. As leituras bíblicas são totalmente descontextualizadas, sem nexos com o contexto da época e com a realidade hodierna. Hoje, a leitura é escolhida de acordo com os problemas pessoais. Funcionam mais com remédio para a alma. As leituras são lidas e interpretadas de modo bem adocicadas e alienantes. Até diria, que não é levado em consideração o contexto social, político, cultural, religioso e econômico da época em quer fora escrito os livros sagrados.
As músicas cantadas hoje, nem se fala, são totalmente alienantes, voltadas mais para o emocionalismo. Não falam da realidade de milhares de seres humanos que vivem à margem da vida, não fazem nem um nexo entre o Jesus histórico e o seu povo sofredor. O que tenho observado, é que essas músicas não levam as pessoas a tomarem consciência de sua realidade cruel, não conscientizam, pelo o contrário, fortalecem a alienação religiosa e por que não dizer, também política. Ora a alienação religiosa leva o povo a ser conformista, reacionário e cego no que diz respeito a sua própria cidadania. Sabem quem sai ganhando com tudo isso? A elite política. Claro, quanto mais um povo alienado, reacionário, melhor. E assim, esse mesmo povo continua sendo tratado como massa de manobra.
Enquanto as pregações são alienantes, desencarnadas, fora de contexto; enquanto as celebrações ou cultos são recheados de aplausos, lágrimas, vivas, danças, promessas de curas, milagres, libertação interior; enquanto as músicas são voltadas para o emocionalismo, para as nuvens, levando as pessoas ao comodismo e a alienação, o povão vai, a cada dia que passa, mergulhando no submundo da miséria, da fome, da exclusão social, da cultura da morte. Com isso quero dizer, que um povo alienado, reacionário, acomodado, com visão determinista não questiona, não cobra, não reivindica... Tudo é jogado para Deus, numa dimensão fatalista: “Deus quer assim... então vamos morrer assim”.
O papel da religião cristão é alienar, impedir que o povo grite, reivindique, fique acomodado, esperando que as mudanças aconteçam a partir do céu, ou fazer o mesmo a ter consciência crítica, a partir de uma fé libertadora, encarnada, historicizada? Onde, afinal, está o verdadeiro anúncio do Reino? O Reino que era o núcleo central de toda pregação de Cristo?
Agora pergunto: por que prenderam, julgaram e condenaram o Jesus de Nazaré? E por que disseram: “prendamos esse homem, ele anda agitando o povo, é um malfeitor?”.
Jesus morreu de morte natural, ou foi assassinado pelo sistema opressor da época? E o que ele fez para merecer esse tipo de morte, que era aplicada aos bandidos?
Sinceramente, estou cheio de tanta alienação religiosa. Não agüento mais.
Uma coisa afirmo, sem medo de errar: Enquanto a alienação religiosa avança, a cultura de morte vai tomando corpo para a desgraça do povo de Deus.
Que Deus me dê a graça da sabedoria e do discernimento, para não me enveredar por esse caminho tão inócuo, que não agrada ao Deus da vida, que disse: “eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores; pois eu conheço suas angústias. Por isso desci a fim de liberta-lo da mãos dos egípcios,e para faze-lo subir daquela terra a uma terra boa e vasta,terra que mana leite e mel (Ex.3,7ss.)”.
Para concluir, cito o que o teólogo da teologia da libertação, padre Jon Sobrino falou, no livro descer da cruz os pobre: “Jesus morreu na cruz, não porque Deus exigia o seu sacrifício, mas “por anunciar a esperança aos pobres e denunciar seus opressores” (p.318)”.

Padre Djacy Brasileiro, em 05 de dezembro de 2009.

Nenhum comentário: