Agosto este ano chegou mais cedo, trazendo no seu bojo ausências e perdas irreparáveis. O mês do desgosto parece que resolveu se apresentar com trinta dias de antecedência, marcando, ainda no primeiro dia de julho, com o seu sangue, a vida dos inesquecíveis amigos e conterrâneos Radegundis Feitosa, Luis Benedito e Roberto Ângelo “Cabelo de Cachorro” Sabino, levando consigo, também, o competente músico patoense Adenilton França.
Radegundis Feitosa é daqueles amigos de infância que continuam para a vida toda, embora hajam tantos desencontros em função das adversidades da própria vida. Nos idos de 1973/74, recordo-me bem quando o lendário Padre Zé Sinfrônio, do Ginásio Diocesano de Itaporanga, escalou o professor e maestro Sales, à época auxiliar do maestro Sargento Severino, para dar aulas à parte a uma trinca que ele, Padre Zé, gostaria de vê trombonistas.
Esses três mosqueteiros que se iniciavam nos primeiros solfejos das notas musicais éramos eu, Radegundis Feitosa e Sandoval Moreno. Eu, muito magro – quase cadavérico – fui retirado depois das aulas por minha mãe, que achava que de tão raquítico não agüentaria soprar um instrumento. Deus parece que não me queria músico, pois me reservara outras estradas. Mesmo assim ainda insisti tocando uma caixa na banda, seguindo depois para o tarol da Filarmônica da Escola Técnica Federal, na Capital. Desisti da música como instrumentista e fiquei músico apenas por continuar sabendo escutar. Fui para outras pairagens.
Radegundis Feitosa e Sandoval Moreno, ao contrário, continuaram estudando o trombone, fazendo dele não apenas um instrumento para a vida, mas dando vida a este instrumento. E que vida. O trombone, que Radegundis Feitosa já se iniciara, antes mesmo do Ginásio, vendo o seu pai, Heleno Feitosa Costa tocar, deixara de ser um brinquedo de criança, e passara o seu objeto de estudo. E como estudou.
Foi um dos primeiros alunos do curso de música da UFPB, juntamente com seu inseparável companheiro Sandoval Moreno, aprimorando os conhecimentos na arte de tocar trombone. Fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. Virou um dos maiores trombonistas do mundo, arrebatando prêmios por onde passava. Fez escola. Depois vieram seus irmãos Costinha e Bobó, e arrastaram outros conterrâneos como Gilvandro Azeitona, Roberto Ângelo Cabelo de Cachorro, como o chamávamos na intimidade, além de tantos outros.
Roberto Ângelo Sabino era da mesma estirpe de Radegundis Feitosa e de Sandoval Moreno. Sabia brincar com o trombone como se aquilo fosse uma coisa fácil de tocar. Era ao mesmo tempo um dos mais técnicos ao executar os clássicos da Orquestra Sinfônica da Paraíba ou os hits mais populares das Orquestras Metalúrgica Filipéia, Mistura Fina ou da Black Tie. Para ele era indiferente o grupo onde estava tocando. Podia ser clássico, jazz, samba, frevo ou dobrado. Na verdade, dobrava bem em todas. Sempre se destacou em todos os lugares. Fez da música seu meio de vida. Do seu trombone surgia sempre os melhores acordes, as melodias mais aprimoradas.
Roberto Ângelo compôs o Quarteto de Trombones juntamente com Sandoval Moreno, Gilvando Azeitona e Rogërio. Fez parte de todos os grupos coordenados por Radegundis Feitosa, Maestros Chiquito, Rivaldo e Vianey. Não importava se estava tocando num baile de gala, bloco de carnaval ou num teatro. Clássico ou popular tanto fazia. Bom mesmo era tocar em qualquer lugar. Nem que fosse numa simples farra que sempre improvisava com os amigos nos finais de semana quando estava de folga.
Luis Benedito era daqueles músicos que se podia chamar “das antigas”. Com seu vozeirão, sempre encantou executando os clássicos do cancioneiro popular, das inesquecíveis serestas ou serenatas, ou das orquestras de carnaval. Começou ainda menino em Itaporanga, terra natal de todos, aprendendo a educar a sua voz com o irmão mais velho Antonio Benedito – pai de Sandoval Moreno – e um dos melhores compositores de músicas instrumentais, hinos e dobrados de sua época.
Durante toda a sua vida se dividiu entre a arte de cantar e o ofício de alfaiate, aliás, um dos melhores que a Paraíba já conheceu. Seus ternos, sobretudo e palitós sempre foram disputados, e não apenas pela colônia itaporanguense. Em Itaporanga foi presidente do Independente Clube, um clube onde ele dizia que branco não poderia entrar. Era o “Clube dos Morenos”, como definia. Foi vereador e amigo de todas as horas dos amigos. Transferiu-se mais tarde para João Pessoa, onde continuou alternando as artes de costurar com a de cantar.
Estive com ele, pela última vez, no dia noite de 12 de Junho deste ano, no aniversário da Asfita, em companhia de Radegundis Feitosa e de outros amigos. Ele estava empolgado, pois terminara de gravar o seu CD solo, tendo os arranjos de Radego, como carinhosamente apelidávamos o Radegundis, e do maestro Chiquito Fernandes. A produção fora feita pelo próprio Radegundis. Marcamos de nos encontrar, agora no início de julho, para programarmos o lançamento.
Lamentavelmente nada mais disso será possível com a presença deles, restando a nós apenas uma homenagem póstuma. Morreram quando voltavam para o sublime torrão que tanto amavam. Iam participar das festa de 150 da Paróquia de Misericórdia.
A perda desses amigos é irreparável para mim, mas será muito maior para a música brasileira. Os trombones nunca mais tocarão do mesmo jeito, no mesmo diapasão, e aquele canto forte não mais ecoará em nossas serenatas.
A estrada entre Piancó e Itaporanga ficou marcada para sempre. Agora, quem passar por lá terá a oportunidade de ouvir, quase aos pés do Cristo Redentor, o toque dos trombones que a história guardará. Não morreram somente os músicos, mas um pedaço de nossa música popular, de nossa cultura, da história destelugar
Vão, amigos. Sei que agora o Céu terá uma orquestra completa. Juntem-se Antonio Benedito, Sivuca, Luiz Gonzaga, e tanta gente boa que estavam a lhes aguardar. Animem a festa, a gente chega mais tarde.
Radegundis Feitosa é daqueles amigos de infância que continuam para a vida toda, embora hajam tantos desencontros em função das adversidades da própria vida. Nos idos de 1973/74, recordo-me bem quando o lendário Padre Zé Sinfrônio, do Ginásio Diocesano de Itaporanga, escalou o professor e maestro Sales, à época auxiliar do maestro Sargento Severino, para dar aulas à parte a uma trinca que ele, Padre Zé, gostaria de vê trombonistas.
Esses três mosqueteiros que se iniciavam nos primeiros solfejos das notas musicais éramos eu, Radegundis Feitosa e Sandoval Moreno. Eu, muito magro – quase cadavérico – fui retirado depois das aulas por minha mãe, que achava que de tão raquítico não agüentaria soprar um instrumento. Deus parece que não me queria músico, pois me reservara outras estradas. Mesmo assim ainda insisti tocando uma caixa na banda, seguindo depois para o tarol da Filarmônica da Escola Técnica Federal, na Capital. Desisti da música como instrumentista e fiquei músico apenas por continuar sabendo escutar. Fui para outras pairagens.
Radegundis Feitosa e Sandoval Moreno, ao contrário, continuaram estudando o trombone, fazendo dele não apenas um instrumento para a vida, mas dando vida a este instrumento. E que vida. O trombone, que Radegundis Feitosa já se iniciara, antes mesmo do Ginásio, vendo o seu pai, Heleno Feitosa Costa tocar, deixara de ser um brinquedo de criança, e passara o seu objeto de estudo. E como estudou.
Foi um dos primeiros alunos do curso de música da UFPB, juntamente com seu inseparável companheiro Sandoval Moreno, aprimorando os conhecimentos na arte de tocar trombone. Fez mestrado, doutorado e pós-doutorado. Virou um dos maiores trombonistas do mundo, arrebatando prêmios por onde passava. Fez escola. Depois vieram seus irmãos Costinha e Bobó, e arrastaram outros conterrâneos como Gilvandro Azeitona, Roberto Ângelo Cabelo de Cachorro, como o chamávamos na intimidade, além de tantos outros.
Roberto Ângelo Sabino era da mesma estirpe de Radegundis Feitosa e de Sandoval Moreno. Sabia brincar com o trombone como se aquilo fosse uma coisa fácil de tocar. Era ao mesmo tempo um dos mais técnicos ao executar os clássicos da Orquestra Sinfônica da Paraíba ou os hits mais populares das Orquestras Metalúrgica Filipéia, Mistura Fina ou da Black Tie. Para ele era indiferente o grupo onde estava tocando. Podia ser clássico, jazz, samba, frevo ou dobrado. Na verdade, dobrava bem em todas. Sempre se destacou em todos os lugares. Fez da música seu meio de vida. Do seu trombone surgia sempre os melhores acordes, as melodias mais aprimoradas.
Roberto Ângelo compôs o Quarteto de Trombones juntamente com Sandoval Moreno, Gilvando Azeitona e Rogërio. Fez parte de todos os grupos coordenados por Radegundis Feitosa, Maestros Chiquito, Rivaldo e Vianey. Não importava se estava tocando num baile de gala, bloco de carnaval ou num teatro. Clássico ou popular tanto fazia. Bom mesmo era tocar em qualquer lugar. Nem que fosse numa simples farra que sempre improvisava com os amigos nos finais de semana quando estava de folga.
Luis Benedito era daqueles músicos que se podia chamar “das antigas”. Com seu vozeirão, sempre encantou executando os clássicos do cancioneiro popular, das inesquecíveis serestas ou serenatas, ou das orquestras de carnaval. Começou ainda menino em Itaporanga, terra natal de todos, aprendendo a educar a sua voz com o irmão mais velho Antonio Benedito – pai de Sandoval Moreno – e um dos melhores compositores de músicas instrumentais, hinos e dobrados de sua época.
Durante toda a sua vida se dividiu entre a arte de cantar e o ofício de alfaiate, aliás, um dos melhores que a Paraíba já conheceu. Seus ternos, sobretudo e palitós sempre foram disputados, e não apenas pela colônia itaporanguense. Em Itaporanga foi presidente do Independente Clube, um clube onde ele dizia que branco não poderia entrar. Era o “Clube dos Morenos”, como definia. Foi vereador e amigo de todas as horas dos amigos. Transferiu-se mais tarde para João Pessoa, onde continuou alternando as artes de costurar com a de cantar.
Estive com ele, pela última vez, no dia noite de 12 de Junho deste ano, no aniversário da Asfita, em companhia de Radegundis Feitosa e de outros amigos. Ele estava empolgado, pois terminara de gravar o seu CD solo, tendo os arranjos de Radego, como carinhosamente apelidávamos o Radegundis, e do maestro Chiquito Fernandes. A produção fora feita pelo próprio Radegundis. Marcamos de nos encontrar, agora no início de julho, para programarmos o lançamento.
Lamentavelmente nada mais disso será possível com a presença deles, restando a nós apenas uma homenagem póstuma. Morreram quando voltavam para o sublime torrão que tanto amavam. Iam participar das festa de 150 da Paróquia de Misericórdia.
A perda desses amigos é irreparável para mim, mas será muito maior para a música brasileira. Os trombones nunca mais tocarão do mesmo jeito, no mesmo diapasão, e aquele canto forte não mais ecoará em nossas serenatas.
A estrada entre Piancó e Itaporanga ficou marcada para sempre. Agora, quem passar por lá terá a oportunidade de ouvir, quase aos pés do Cristo Redentor, o toque dos trombones que a história guardará. Não morreram somente os músicos, mas um pedaço de nossa música popular, de nossa cultura, da história destelugar
Vão, amigos. Sei que agora o Céu terá uma orquestra completa. Juntem-se Antonio Benedito, Sivuca, Luiz Gonzaga, e tanta gente boa que estavam a lhes aguardar. Animem a festa, a gente chega mais tarde.
* Jornalista
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